
Usei a cara da lua os olhos do vento os braços do mar,pé da montanha. Criei uma criatura, um bixo uma coisa um não sei o que lá, composição estranha!

Seu sapato era de tirinhas coloridas e seu sorriso era Bossa Nova, usava saia e um cabelo enroladinho, grande, pés brancos e um cordão estranho.
No meio de um salão com luzes amarelas dançava como se quisesse embarcar o mundo, sorria e dizia besteiras, tudo era maravilhoso com a mesma intensidade que era horroroso... Perdia-se em sonhos jovens e às vezes se debatia em sustos infantis consigo mesma, se reprimia, talvez naquele momento precisa-se de um gim com soda e um “aquietaleão”. Observa-se tudo isso apenas com um dança, naquele salão com piso lustrado e uma dose de cachaça na mão esquerda, balançava-se no mesmo ritmo que o cabelo que se despenteava toda hora.
Saiu andando, em um plano seqüência magistral, no salão, até o bar, com pezinhos saltitantes e uma musica latina, chegava, acendia o ultimo cigarro e pedia outra caipira sem açúcar. Queria sentir tudo, até a dor no joelho que não parava de incomodá-la, tudo era feito de prazer, um prazer louco de liberdade e medo. Chorava escondida dentro da metade do coração, se magoava e sentia dor e talvez saudades... Mas, seus olhos gritavam por aquele calor do Rio, em abril, 1970, queria ver a trama e aproveitá-la incansavelmente.
Pegou um taxi na av. Brasil e pediu para chegar ao Catete, queria outra dose antes de chegar em casa. Foi dançar agora, em uma fotografia avermelhada, da casa de um grande amiga que bebia whisky com seu esposo boa praça e um amigo daquele grupo da juventude alucinada e saudavelmente feliz.
Conversaram sobre o tudo de ruim e se sentiam melhores de suas próprias ruindades, protegendo-as em suas mentes. Divertiam-se e cantavam a Nina da melhor maneira embreagada que ela deveria ser cantada. Sentiam calor e queriam mais e mais, era essencial naquele momento viver sempre o mais, o tudo, ou não... No final acabavam dançando e rindo, rindo dos seus dramas pseudoburgueses e normais, sem sentir culpa por tudo aquilo, tranqüilos... Naquele apartamento branco com livros e cigarros, pedaços de tomate na cozinha, um Stain Getz saindo de duas caixas de som e uns vinis, o blasé rockn’roll com anarquismos lingüísticos e uma necessidade de profundidade, levavam-se juntos para o fundo e conseguiam sair daquela superficialidade que um deles alertava e gritava e todos os outros ouviam principalmente ela.
Aquela noite estava sendo um solo de guitarra com ar setentista... Foram para praia, sentiram areia e se importavam naquele momento apenas com aquelas informações sensoriais... Fechava os olhos e como os gatos conseguia sentir o gosto de todo aquele lugar apenas com o cheiro...Desbundavam-se em planos mirabolantes para dominar o mundo e que com certeza iriam ser feitos, um dia... Era tão bom entender quase tudo, daquele momento e terminar tudo com pés sujos e dores de cabeça....
No final, aquele quarto escuro, seu apartamento antes alaranjado, cantarolava cambaleante aquele samba antigo de Cartola : “... Fim dessa saudade deve ter outro alguém pra amar...” , na sacada, uma madrugada de uma sexta-feira qualquer do mês de Maio na cidade do Rio de Janeiro.
Ela olhava pro lado e da janela do ônibus entrava lixo e poeira. Cachorros loucos correndo com medo do escuro," Heart attack and vine".
A moça da quitanda fica com medo, sente o “cano” nas costas e ouve um tiro no fundo da alma. Do outro lado da cidade um jovem triste corta as veiazinhas já mortas de tristeza, na zona norte uma velinha é atropelada por um caminhão, um traficante roda repassando farinha na rua margarida.
Maria tem certeza que naquela cozinha ela é à única que existe, o resto está fora de ordem, fora de todos os lugares, Maria olha os azulejos sujos e percebe que perdeu toda a sorte,sente medo de se levantar, tem vergonha de se arrastar e não tem mais voz pra gritar, Maria ó Maria.
Consegue colocar um moletom preto de listras e sai. Pede cigarros pra senhora no condomínio, uma senhora estranha que fica se balançando na rede, em um lugar improvável de morar. A senhora ouve uma música triste, um bolero meio brega que se ouvia naquela época e deixa Maria mais triste ainda, se imagina no mesmo sonho da senhora, dançando naquele baile de toda quarta feira.
Continua andando e se irrita com o sol, ela só queria um sorriso naquele momento. Era tão besta essa Maria. Bobinha! Ela nunca vai ser como as luzes, como conseguir acreditar, um riff de guitarra bastou. Maria ouve música e acha que é pra ela, quer andar sem destino, imitar aqueles filmes dramáticos que costumam passar na SBT, quer se fazer de vitima, e ainda nem sabe direito o motivo, deve ser por aquele amor que não deu certo ou pela crise existencial, amizades? Serão amizades? É... Sempre sentiu certo problema em se fazer entender e cativar pessoas, criar grupos era o mais complicado, sempre encontrava aqueles estranhos metaleiros que curtiam uns papos medievais e por necessidade ficava perto.
Ela foi dispensada! Ele não sentia mais tesão, enfim... Foi comer outra, mas quem era ele mesmo? Um Thiago ou Felipe apareciam desses, sua bunda os atraia, Maria abria as pernas e só, curtia sentir o prazer.
O que deu nela? Qual seria a causa da moleza de alma? Uma musica triste “from Radiohead”? Uma conta vencida e a contestação da falta de dinheiro, o I em uma matéria mais do que ridícula num curso que ela agüentava sabe se lá por quê? A roda gigante ter falhado no auge dos seus 10 anos?
Sem surpresas se cansou de esperar, continuou fazendo as mesmas coisas e sua volta no quarteirão da lamentação tinha acabado. Estava de volta a casa, e continuava a limpar o azulejo da cozinha com suas dores nas costas usuais e ouvindo O “Bleach” muito alto.